quinta-feira, maio 22, 2003



"(...)
Estar contigo ou não estar contigo é a medida de meu tempo.
O cântaro já se quebra sobre a fonte, já se levanta o homem à voz da ave, já escureceram os que olham pelas janelas, mas a sombra não trouxe a paz.
É, eu sei, o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir tua voz, a espera e a memória, o horror de viver no sucessivo.
É o amor com suas mitologias, com suas pequenas magias inúteis.
(...)
O nome de uma mulher me delata.
Dói-me uma mulher por todo o corpo."

(O Ameaçado. de Jorge Luís Borges. Do livro "O Ouro dos Tigres")

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terça-feira, maio 20, 2003



o melhor baixista do mundo!
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eu vou ficando pra trás
como se agora eu já não pudesse
me olhar.
eu e meu chapéu corremos feito loucos.
corremos sem perceber nada.
e, de repente, paramos.
um vento forte nos jogou longe...

:marcosramon
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quinta-feira, maio 15, 2003

O CONSUMIDOR RELIGIOSO


Li, dia desses, um textos do professor da USP Antônio Flávio Pierucci sobre religião (“Liberdade de cultos na sociedade de serviços”), e que data de 1996. O que achei mais impressionante foi a atualidade do texto que parte de um fato bem específico: os pontapés que um pastor evangélico deu numa santa e que foram televisionados para todo o pais em 1995. O autor sustenta que a controvérsia que eclodiu a partir deste episódio revela muitas questões, entre elas: o direito à liberdade religiosa, o problema da intolerância, o problema econômico incitado a partir dos privilégios que possuem as igrejas e a defesa do consumidor religioso.


Quando se fala em liberdade religiosa ou liberdade de culto toca-se também no tema da intolerância. Segundo Pierucci os pentecostais (e neo-pentecostais), que reclamam muito de não terem liberdade religiosa, são os primeiros a atacar os praticantes de outros cultos. Quais? Os umbandistas, os kardecistas e até mesmo os católicos, entre outros. O exemplo da santa revela justamente isso. Chutar uma santa em rede nacional num país que (ainda) é de maioria católica é comprar uma briga feia. Mas a intolerância contra os outros cultos é talvez ainda maior, porque partem dos cristãos em geral – católicos e evangélicos. Basta percebermos que para aqueles todo umbandista ou espírita é macumbeiro, além de estar, é claro, sempre com o demônio ao seu lado. No entanto, apesar disso, o autor sustenta que liberdade para as religiões é o que, decididamente, não falta no Brasil, país do hibridismo religioso. Onde o problema encontra-se então não é na liberdade de culto – que, de fato, existe – mas sim na tentativa de hegemonizar o país em torno de uma única crença, “da” crença.


Ora, alguém conhece um evangélico que não tem total certeza em sua fé e total descrença na fé dos outros? Todo crente “sabe” que já está salvo e para que você se salve é preciso que você esteja necessariamente com ele. Não basta que você tenha fé num Deus, tem que ser o Deus cristão. Não basta que você seja cristão, tem que ser protestante. Não basta que você seja protestante, tem que ser da igreja batista ou universal ou do sétimo dia etc. Enfim, você tem que ir exatamente na igreja daquele crente que tenta aos gritos convencê-lo de que você precisa ser salvo, que Deus te ama e tudo o mais. Nesse sentido, a igreja católica sai perdendo, pois muitos que se dizem católicos não são praticantes e provavelmente só foram à igreja para se batizar. Os fiéis da igreja católica estão se bandeando para o lado dos evangélicos, pois estes possuem melhores métodos de persuasão. O exemplo mais claro são os exorcismos e milagres realizados no meio das igrejas. Quando a igreja católica abandonou essas artimanhas perdeu muito de sua “credibilidade”, já que para o povo interessa mesmo é ver pra crer, e o “culto show” dos evangélicos, com pessoas “falando em línguas”, levantando de cadeiras de rodas e tirando o demônio do corpo é perfeito para o convencimento imediato. É por tudo isso que alguns líderes evangélicos teimam em mostrar-se extremamente sensíveis a tudo aquilo que possa apresentar-se vagamente como ameaça ao livre exercício da religião, ou virtual violação da “autonomia das igrejas”. Isso mesmo, as igrejas defendem estritamente uma autonomia e, para justificar isso, dizem que simplesmente não querem dar “liberdade de mais para as forças do mal”. Mas não é um contrasenso que se queira liberdade religiosas apenas para alguns? Se estamos falando de “liberdade” ou é para todos ou não é para ninguém.


A questão aumenta, no entanto, quando percebe-se a influência das igrejas no campo econômico. Ora, as igrejas não pagam impostos, fazem festejos e reformas com dinheiro público, não precisam declarar renda, não respeitam a lei do silêncio etc. Mas será que é justo que o umbandista, ou o kardecista ou mesmo o ateu financiem o culto alheio? Afinal de contas, é para as igrejas cristãs que vão os nossos impostos. Imaginem, por exemplo, a confusão que ia ocorrer se o governo começasse a financiar algum terreiro ou algum centro espírita. Os cristãos iam sair pras ruas exigindo sua “liberdade” e seus “direitos”. Mas não são só os evangélicos que têm que suportar os feriados católicos; todos nós, na verdade, somos obrigados a aderir aos feriados cristãos (semana santa, páscoa, natal etc), assim como temos que agüentar a gritaria nas ruas e nos ônibus, além da berradeira desafinada das igrejas evangélicas que não deixam bairros inteiros dormirem mais cedo.


Estamos assim diante de uma verdadeira controvérsia religiosa, dadas as inúmeras questões suscitadas, e não de um simples conflito. O fato, afirma Pierucci, é que a Igreja Universal (por exemplo) inova muito em matéria de comportamento religioso, quando “concebe abertamente a igreja como empresa econômica e a religião como fonte de lucro e enriquecimento pessoal”. As igrejas evangélicas comercializam Deus e fazem algo que até certo tempo era feito apenas pelos maçons: a proteção dos “irmãos de igreja”. Um evangélico, sempre que tiver opções, só vai comprar em lojas evangélicas, só vai almoçar em restaurantes evangélicos e protegerá sempre todo e qualquer produto assinado pela sua igreja (“made in heaven”) em detrimento de qualquer outro, ainda que possua qualidade melhor. Essa sectarização ensinada nos cultos e aparentemente inofensiva gera a intolerância e a fragmentação social já que os evangélicos lucram muito mais que as empresas não religiosas, pois possuem (como as igrejas) isenção de impostos. Tudo isso torna frágil apenas, é claro, a população comum, enquanto torna vantajoso ser um empresário evangélico.


Nos EUA já existem advogados especializados em tratar dos interesses do “consumidor religioso” – é esse mesmo o termo – que se sente lesado por seus pastores, padres, gurus etc. Pierucci se pergunta se não deveríamos nós também começar a questionar os crimes morais e econômicos realizados pelas igrejas. Afinal de contas, já está na hora do “consumidor religioso” brasileiro exigir os seus direitos.


:Marcos Ramon

antifilosofia




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Professor de filosofia, pesquisa estética e cibercultura.

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