quinta-feira, janeiro 30, 2003

OPTIMISTIC



Corria o tempo todo ao redor da casa, mas não sentia nada. Tudo era sempre o mesmo, mas não cansava de fazer esforço para sentir algo diferente. De dia era sempre assim: uma luta para dormir acordada. Todos estavam cercando-a. No entanto, o corpo que eles cercavam era um corpo que ela não entendia, apenas vivenciava. Barulhos rompiam o seu silêncio interno e disso ela não gostava. Só gostava de andar, andar, andar... ao redor da casa.

Não entendia como podia alguém falar sobre corpos e pessoas sem ter um mínimo sinal de espanto, como se fosse natural encontrar os outros por aí, encarar seus olhos. Nem ela tinha coragem de olhar-se no espelho, era horrível! Não ela, mas o ato de olhar-se, enxergar mãos, cabelos, boca, tórax. Era tudo errado. Não seria correto dizer feio, porque feio não era, ninguém é feio, mas tinha algo errado nisso tudo. Sim, porque ela não era uma pessoa. Não se identificava com esses seres, não gostava de sentar-se com eles, odiava falar. De todas as possibilidades possíveis por que teria nascido ela humana? Não fazia sentido! E ela nunca pediu isso, e agora vinha a sua mãe lhe dizer que ela devia agradecer a deus por sua vida, que devia viver por deus. Viver por um deus morto? Foda-se! Aprendeu a xingar com a mãe. Mas ela não gostava que a filha falasse assim. Como são incoerentes as pessoas!

Houve um tempo em que era bom ser humano, tempo em que todos podiam se dizer diferentes e se guiar por si mesmos. Mas hoje todos são iguais, hoje ninguém escolhe o que quer ser. Houve um tempo que os seres humanos eram algo de respeitáveis, mas hoje só existem mortos vivos, sanguessugas que hibernam dentro de seus valorosos corpos feitos de carne e sangue. Nos dias de hoje as pessoas se divertem em frente às televisões quando vêem a notícia de uma adolescente de quinze anos que esfaqueou a sua mãe e comeu-lhe o cérebro em frente ao espelho. Somente hoje em dia coisas assim acontecem, mas os bilhões de pessoas sentados em seus sofás não ficam tristes, pelo contrário. Eles dizem silenciosamente “Amém”.


:marcos ramon

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vivo numa fantasia que parece não ter início (sim, porque fim tudo tem, até o que nuncacomeçou). assim, é tudo monótono e silencioso. sinos tocam e desarmam minha cabeça... o mar estava me cercando. e como se não fosse parar, desisti (sempredesisto). parece ser inútil lutar com o mar. cabelos rolam pela areia e não sei do que sou feito: barro, carne ou sangue de algum deusdeprimido? é preciso viver para não perder o gosto da morte. então eu me calo. e, morrendo, vivo.

:marcosramon
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segunda-feira, janeiro 27, 2003



"desculpem passarinhos
não sei cantar
desculpe sol
não dou calor
desculpe árvore
não dou frutos
desculpem vacas
não estou satisfeito
desculpem flores
não sou bonito
desculpe cristo
não amo os homens
desculpe hitler
não odeio os judeus
desculpe van gogh
não sou pintor
desculpe rimbaud
não sou poeta
desculpe nietzsche
não sou filósofo
desculpe presidente
não sou cidadão
desculpe general
não sou soldado
desculpe patrão
não sou empregado
desculpe amada
não sou seu amante
desculpem pai e mãe
não sou seu filho
desculpem filhos
não sou seu pai
desculpe deus
não sou tua criatura
desculpe humanidade
não sou humano
desculpe vida
não sou teu servo
desculpem todos:
eu sou eu"
421
poema de droos
rua júlio nogueira, 2591
35501-287 divinópolis-mg / brasil
dieterroos@web.de


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quarta-feira, janeiro 22, 2003

RÁCIO-VITALISMO


Hoje o meu sonho foi breve – ouvi dizer que isso é um bom presságio. A verdade é que estou cansado de tudo, de mim, do tempo. O tempo não cura, cria feridas maiores. Diziam os antigos que a vida permanece em meio à destruição. Mas até que ponto a destruição é capaz de manter uma unidade?

Quando eu era pequeno cada dia era uma luta. E eu sempre perdia. Hoje não me importo mais. “Nothing really matters. Anyone can see”. Agora lanço um olhar sorridente pro céu – sim, olhares podem sorrir! – e recebo de volta um sonho, mais um (pra minha coleção). Mas não há que se menosprezar o sonho. O sonho é vida. Mas a vida nem sempre é sonho. Daqui, de onde estou, vejo pessoas e me aborreço, me entristeço. Não com elas, mas comigo. “Aqueles que saíram da caverna e que viram a verdadeira luz do sol, as coisas realmente existentes (as idéias), não poderão ver mais nada quando regressarem”. Sábio filósofo grego! E o que poderia ser este mundo, e estas pessoas, senão sombras? Mas o mundo e as pessoas seguem seus rumos, fingidos, idiotas até; mas eu, que acredito que nada mais importa, me entristeço e me sinto pouco e morro um pouco a cada instante, mas sei que só é assim porque eu sei morrer! Eu sei o que é a morte, compreendo-a, amo-a. E cada vez que ponho os pés na rua para ela estou preparado. Mas, ao contrário do que dizia Montaigne, não me sinto tranqüilo com isso; muito menos feliz. Sinto-me só, único, sem pátria, sem correntes... E sei o quanto isso é bom! Sei valorizar a maravilha que há nisso. Mas não é suficiente. Sempre falta algo. E volto ao meu primeiro instante: um bebê gritando ao mundo pela milésima vez (ainda que só tivessem ouvido uma!), descobrindo e me acostumando com a paralisia do mundo.

Eu sei mais ou menos o que faço, mas não tenho a menor idéia do que quero. Por isso não quero ser eterno; abomino a maldição que recebeu Caim. Viver sempre, por tempo infinito, é ser maior e mais forte que o próprio tempo: é durar apenas um instante. No pensamento que é só meu, que é minha fuga, vivo o meu sonho sempiterno. Mas quando acordo ele se acaba, e está feito o encanto. Pois só assim, nessa indiferença, se renovam as forças para um novo sonhar.

Caminho com os meus passos sempre lentos, sempre rápidos. Atravesso portas que fecho, escuto plantas que não falam. Danço a dança cósmica de Shiva, por alguns conhecido como Nataraja. Diante de tudo que existe eu sou algo-alguém único, mas sou também parte indiferente de tudo. Vivo e não me importo com o que está à minha volta. E se me perguntarem por que não morro logo, talvez responda como Tales: “Porque não faz diferença”. Vida e morte entendidos como o mesmo: eis a nossa salvação. E já que a vida humana é um esforço sem alvo, sem fim – Schopenhauer! – não há muito o que fazer: aceita o teu destino. Olha pra frente, e segue.

Marcos Ramon
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segunda-feira, janeiro 20, 2003

"Assim organizar a nossa vida que ela seja para os outros um mistério, que quem melhor nos conheça, apenas nos desconheça de mais perto que os outros. Eu assim talhei a minha vida, quase que sem pensar nisso, mas tanta arte institiva pus em fazê-lo que para mim próprio me tornei uma não de todo clara e nítida individualidade minha."
*O Livro do Desassossego* / Bernardo Soares (Fernando Pessoa)



e quem não é, de fato, um grande mistério para si mesmo? aquele que se conhece muito entende tudo do mundo, mas quase nada de si mesmo. aquele que conhece os outros, se vê constantemente. o mundo é um mistério, as pessoas, os sonhos... basta ter calma o bastante para não decifrar nada - e tudo será decifrado.
marcos ramon

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segunda-feira, janeiro 13, 2003

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quinta-feira, janeiro 09, 2003

"Quem deseja, sofre; quem vive, deseja; a vida é dor.
Quanto mais elevado é o espírito do homem, mais sofre.
A vida não é mais do que uma luta pela existência com a certeza de sermos vencidos.
A vida é uma incessante e cruel caçada onde, às vezes como caçadores, outras como caça, disputamos em horrível carnificina os restos da prêsa.
A vida é uma história da dôr, que se resume assim: sem motivo queremos sofrer e lutar sempre, morrer logo, e assim consecutivamente durante séculos dos séculos, até que a Terra se desfaça."

(*A Vontade de Amar* - Schopenhauer)




Arthur Schopenhauer, dessin à la plume de Jules Lunteschütz
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segunda-feira, janeiro 06, 2003

não pode... e nem dá pra fingir que não existe saída. porque existe! não a conhecemos, talvez nunca iremos vê-la, mas existe. os pés cansados olham pro céu e pedem descanso. as mãos paradas pedem inocência. e cada dia fica mais estranho, pesado e humilde.

:marcos ramon




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Professor de filosofia, pesquisa estética e cibercultura.

reúno fragmentos espalhados em cada vão renunciado

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